Na passada segunda-feira, os mercados acordaram em sobressalto quando a Arábia Saudita, o Bahrein, o Egito e os Emirados Árabes Unidos anunciaram o corte de relações diplomáticas e a suspensão do tráfego aéreo, marítimo e terrestre com o Qatar. O comunicado, divulgado na televisão pública da Arábia Saudita, justifica estas medidas com acusações de apoio e promoção por parte do Qatar a grupos terroristas “ligados ao Irão”, em particular a Irmandade Muçulmana, o Estado Islâmico e a al-Qaeda.
Após o anúncio destes quatro países, também os governos do Iémen, da Líbia e das Maldivas aderiram ao corte diplomático com o Qatar, deixando o país da Al-Jazeera isolado política e territorialmente.
O Irão e a defesa do Qatar
Como potencial aliado, o Qatar contará apenas com o Irão, com quem partilha uma fronteira marítima e que estará alegadamente na origem da crise. O Irão é, de facto, um dos polos de influência no Médio Oriente; o outro é a Arábia Saudita. Apesar de não ser provável que estes dois países se envolvam num conflito direto, disputam o poder na região através da intervenção em outros conflitos, como a guerra na Síria (desde 2011) ou a guerra civil no Iémen, que teve início em 2015. A crise diplomática do Qatar pode, assim, ter sido uma consequência da aproximação deste país ao Irão.
Já a 23 de maio, a QNA, a agência noticiosa estatal do Qatar, transmitiu declarações do xeque Tamim bin Hamad Al Thani – Emir e líder do país – alertando que “não é sábio agir com hostilidade perante o Irão” e que este é “um grande poder para a estabilização da região”. Posteriormente estas declarações viriam a ser desmentidas pelo Qatar e identificadas como fake news resultantes de um ataque informático. Do mesmo modo, o Governo de Doha afirma que as medidas de corte diplomático com o Qatar “não têm justificação e são baseadas em alegações que não têm nenhum fundamento factual” e portanto “não vão afetar a vida normal dos cidadãos e residentes”.
Contudo, segundo um relatório de 2015 da Future Directions International, cerca de 90% da comida consumida no Qatar é importada e, com o bloqueio, o país fica totalmente isolado na sua fronteira terrestre, uma vez que a única nação limítrofe é a Arábia Saudita. Por seu lado, foi estabelecido um prazo de 14 dias (ou 48 horas, no caso dos diplomatas) para que os seus cidadãos abandonem a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou o Bahrein.
Estes desenvolvimentos surgem no contexto de um contínuo afastamento dos Estados Unidos relativamente ao Irão, cujo isolamento é promovido por Donald Trump, e depois de uma visita oficial do presidente norte-americano à Arábia Saudita, durante a qual foi oficializado um negócio que contempla a venda de 110 mil milhões de dólares em armas à Riade.
A resposta dos mercados
Petróleo
Os mercados também não ficaram imunes a este corte de relações diplomáticas com o Qatar. A bolsa do que é o maior exportador de gás natural liquefeito do mundo abriu a cair 7,6% na sessão desta segunda-feira.
Receios de que a produção de petróleo pudesse vir a ser afetada pela crise fizeram com que os preços subissem cerca de 1%, mas o incremento foi rapidamente absorvido depois do choque inicial, passando o preço do petróleo a negociar abaixo do fecho da semana anterior. A tendência anterior a esta nova crise do Golfo era também de fortes quedas no mercado petrolífero, resultantes do abandono do acordo climático de Paris e consequente aumento da produção por parte dos Estados Unidos. Nesta linha tinham sido registadas descidas de mais de 4% no Petróleo Bruto WTi Futuros (CLN7) e de 3,5% no Petróleo Brent Futuros (LCOQ7).
Mercado de divisas
As descidas do preço do petróleo tendem a ser acompanhadas por descidas nas moedas do Canadá, Rússia e Noruega, uma vez que as exportações petrolíferas constituem grande parte da sua economia.
Efetivamente, desde a passada terça-feira o dólar canadiense (USDCAD) sofreu uma desvalorização relativamente ao dólar, com uma subida de 1.3447 para 1.3523. Também o rublo russo (USDRUB) experimentou uma descida relativamente ao dólar, sendo negociado a 56.5198 na terça-feira e a 57.0763 no dia seguinte (desde então parece estar a recuperar). Já relativamente à coroa norueguesa (USDNOK), a subida de preço tem sido constante desde o dia 2 de junho, com um intervalo de valores entre os 8.4144 e os 8.5128.
Os efeitos da crise do Qatar no dólar americano podem ter sido encobertos pelo seu contínuo enfraquecimento desde que o presidente Trump assumiu o cargo, em Janeiro. O U.S. Dollar Index, que mede o valor deste contra um conjunto de moedas, caiu de 101 no dia anterior à tomada de posse para 96.68 na passada quarta-feira. Nada que surpreenda o especialista em câmbio, Douglas Borthwick, que indicou ao TheStreet que “o dólar está a mover-se na direção que o Trump quer […] Ele está a pensar ‘Isto é ótimo porque é ótimo para a América. É ótimo para a competitividade’”.
Finalmente, também a Standard & Poor anunciou na passada quarta-feira que baixou o rating do Qatar ao nível AA- e diz considerar uma nova classificação caso a situação se agrave, uma vez que ainda se encontram presentes muitas incertezas.